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E Marános, seguindo a sombra viva
Do seu grande Desejo, descobriu
A figura gentil e primitiva
De edenico perfil, que é a Primavera.
Seu doce e fino Vulto adolescente
Era uma nevoa humana e luminosa...
E em seus olhos de luz amanhecente,
Igneas, risonhas lagrimas cantavam!
A boca era uma rosa inda em botão;
E a sua loira trança virginal,
Chama doirada ao vento, lhe vestia
O corpo em flôr de carne vegetal...
Com um lyrio na mão, e sobre a fronte
O resplendor da aurora, na Montanha
Andava distrahida; e no horizonte
Punha a inocencia verde dos seus olhos...
E o horizonte mandava-lhe um sorriso
De luz e de ternura ... E a Primavera,
No seu formoso e alegre Paraiso,
Fazia cair em louca tentação
Marános que lhe disse:


 «Ó virgem Flor,
Eu falo com os Deuses; e portanto,
Deixae-me que vos fale d'este amor
Que já por vós eu sinto e que me abraza!
Doce filha do sol e irmã da Terra,
Eu sou filho dos homens; eu descendo
Do Drama e vós do Idylio; mas, emfim,
Eu amo, eu sinto, eu vejo, eu compreendo
O vosso coração ... Ó Divindade,

Esta sombra interior do meu espirito