MEMORIAS POSTHUMAS DE BRAZ CUBAS
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a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anonyma, ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. E' verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, epileptica. Nem o meu obito era cousa altamente dramatica... Um solteirão que expira aos sessenta e quatro annos, não parece que reuna em si todos os elementos de uma tragedia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anonyma era apparental-o. De pé, á cabeceira da cama, com os olhos estupidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extincção.

— Morto! morto! dizia consigo.

E a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o vôo desde o Ilysso ás ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos, — a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até ás ribas de uma Africa juvenil... Deixal-a ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros annos. Agora, quero morrer tranquillamente, methodicamente, ouvindo os soluços das damas, as fallas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chacara, e o som estridulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fóra, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orchestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em deante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns impetos de vaga marinha, esvaia-se-me a consciencia, eu descia á immobilidade