O comprador acarinhou-o muito, arranjou-lhe os travesseiros, offereceu-lhe trinta e seis contos.

— Nunca! gemeu o enfermo.

E mandou buscar um maço de papeis á escrivaninha; não tendo forças para tirar a fita de borracha que prendia os papeis, pediu-me que os deslaçasse: fil-o. Eram as contas das despezas com a construcção da casa: contas de pedreiro, de carpinteiro, de pintor; contas do papel da sala de visitas, da sala de jantar, das alcovas, dos gabinetes; contas das ferragens; custo do terreno. Elle abria-as, uma por uma, com a mão tremula, e pedia-me que as lesse, e eu lia-as.

— Veja; mil e duzentos, papel de mil e duzentos a peça. Dobradiças francezas... Veja, é de graça, concluiu elle depois de lida a ultima conta.

— Pois bem... mas...

— Quarenta contos; não lhe dou por menos. Só os juros... faça a conta dos juros...

Vinham tossidas estas palavras, ás golfadas, ás syllabas, como se fossem migalhas de um pulmão desfeito. Nas orbitas fundas rolavam os olhos lampejantes, que me faziam lembrar a lamparina da madrugada. Sob o lençol desenhava-se a estructura ossea do corpo, pontudo em dous lugares, nos joelhos e nos pés; a pelle amarellada, bamba, rugosa, revestia apenas a caveira de um rosto sem expressão; uma carapuça de algodão branco cobria-lhe o craneo rapado pelo tempo.

— Então? disse o sujeito magro.

Fiz-lhe signal para que não insistisse, e elle calou-se