elevada, mostrando assim que a lingua philosophica podia, uma ou outra vez, retemperar-se no calão do povo. Funda um jornal, disse-me elle, e «desmancha toda esta egrejinha.»

— Magnifica idéa! Vou fundar um jornal, vou escachal-os, vou...

— Lutar. Pódes escachal-os ou não; o essencial é que lutes. Vida é luta. Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.

Dahi a pouco demos com uma briga de cães; facto que aos olhos de um homem vulgar não teria valor. O Quincas Borba fez-me parar e observar os cães. Eram dous. Notou que ao pé delles estava um osso, motivo da guerra, e não deixou de chamar a minha attenção para a circumstancia de que o osso não tinha carne. Um simples osso nú. Os cães mordiam-se, rosnavam, com o furor nos olhos... O Quincas Borba metteu a bengala debaixo do braço, encostou o queixo no castão, e parecia em extasis.

— Que bello que isto é! dizia elle de quando em quando.

Quiz arrancar-me dalli, mas não pude; elle estava arraigado ao chão, e só continuou a andar, quando a briga cessou inteiramente, e um dos cães, mordido e vencido, foi levar a sua fome a outra parte. Notei que ficára sinceramente alegre, posto contivesse a alegria, segundo convinha a um grande philosopho. Fez-me observar a belleza do espectaculo, relembrou o objecto da luta, concluiu que os cães tinham fome; mas a privação do alimento era nada para os effeitos geraes da