de todas as cores, que não eram totalmente feios, porém que não tinham decerto o subido valor que se lhes dava naquele tempo. À direita da sala havia sobre uma mesa um enorme oratório no mesmo gosto da mobília.
Havia finalmente em um canto uma palma benta, destas que se distribuem no domingo de ramos; e se o leitor agora supuser tudo isto coberto por uma densa camada de poeira, terá idéia perfeita do lugar em que foi recebido o velho tenente-coronel, que era pouco mais ou menos semelhante em todas as casas ricas de então, e por isso nos demoramos em descrevê-lo.
Sem se fazer esperar muito, apareceu o dono da casa: era um homem já velho e de cara um pouco ingrata; vinha de tamancos, sem meias, em mangas de camisa, com um capote de lã xadrez sobre os ombros, caixa de rapé e lenço encarnado na mão.
Em poucas palavras o velho expôs-lhe o caso e lhe pediu que fosse falar a el-rei em favor de Leonardo.
A princípio opôs ele algumas dúvidas, dizendo:
— Homem, pois eu hei de ir a palácio por causa de um meirinho? El-rei há de rir-se do meu afilhado.
Afinal, porém, teve de ceder a instâncias da amizade, e prometeu tudo. O velho saiu satisfeito e foi levar a nova ao Leonardo, que pulou de contente. Poucos dias depois chegou a ordem de soltura, e ele foi posto na rua. Acreditara que tinha acabado de passar pelo pior dos suplícios, porém insuportáveis torturas começaram para ele no dia em que saiu da cadeia: a mofa, o escárnio, o riso dos companheiros seguiu-o por muitos dias, incessante e martirizador.