— 11 —


«Da parte de um que é ja morto,
Que morreu por seu pezar,
Que á hora de sua morte
Este annel lhe quiz mandar.»

Tirou o annel do dedo,
E na jarra o foi deitar:
— «Quando ella beber da agua
No annel hade attentar.»

Fôra d'alli a donzella,
Ia morta por fallar…
— «Anda ca, ó Peronella,
Criada de mau mandar,

«Tua ama morrendo á sêde
E tu na fonte a folgar?»
— «Folgar não folguei, senhora,
Mas deixei-me adormentar,

«Que a moira vida que eu levo
Ja não n'a posso aturar.
Ai terra da minha terra,
Ai Milhor da beira-mar!

«Aquella sim que era vida,
Aquillo que era folgar!
E em sancto temor de Deus,
Não aqui n'este peccar!»

— «Cal-te, cal-te, Peronella,
Não me queiras attentar;
Que eu a viver entre moiros
Me não vim por meu gostar.

«Mas ja tenho perdoado
A quem lá me foi roubar,
Que antes escrava contente
Do que rainha a chorar.

«Forte christandade aquella,
Bom era aquelle reinar!
Viver so, desemparada,
Ver a moira em meu logar!..»

Lembrava-lhe a sua offensa,
Está-lhe o sangue a queimar…
Na agua fria da fonte
A sêde quiz apagar.

A fonte de prata virgem
Á bôcca foi a levar,
As riccas pedras do annel
No fundo viu a brilhar.

— «Jesus seja c'o a minha alma!
Feitiços me querem dar…
O fogo a arder dentro n'agua
E ella fria de nevar!»

— «Senhora, c'o esses feitiços
Me tomára eu imbruxar!
Foi um bemditto romeiro
Que á fonte fui incontrar,

«Que ahi deitou esse annel
Para próva singular
De um recado que vos trouxe
Com que muito heisde folgar.»

— «Venha ja esse romeiro,
Que lhe quero ja fallar:
Embaixador deve ser
Quem traz presente real.»