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NOVELLAS EXTRAORDINARIAS

tes que estavam collocados em cima da mesa. Estes appareceram-me primeiramente sob o aspecto da caridade, semelhantes a anjos esbeltos e brancos que deviam salvar-me, depois, de repente as fórmas angelicas converteram-se em espectros insignificantes, com cabeças de lume. Comprehendi que não tinha protecção alguma a esperar d'elles, e todo o meu corpo estremeceu como se houvesse tocado os fios de uma pilha voltaica.

Então, a idéa do repouso delicioso que nos espera no tumulo, passou-me pela imaginação como uma harmonia divina. Essa idéa veiu lenta, furtivamente. Demorei-me muito tempo a percebel-a; e no momento em que começava a sentil-a perfeitamente no espirito e a acaricial-a, as figuras dos juízes desvaneceram-se, como por magia, os grandes archotes apagaram-se, sobreveiu a escuridão das trevas... Todas as sensações pareceram submergir-se, como se de um mergulho louco a minha alma se houvesse precipitado no Hadés. E o universo não foi mais senão noite, silencio e immobilidade!

Estava desmaiado. Comtudo, não direi que tivesse de todo perdido os sentidos. Não tentarei definir nem mesmo descrever a pouca consciencia que me restava; mas ainda tinha alguma.

No somno mais profundo, no delirio, no desmaio, na morte... sim! até no tumulo, ha sempre um resto de consciencia! D'outro modo não haveria immortalidade para o homem. Quando accordamos de um somno profundo, rasgamos a tela de aranha de algum sonho, e, um segundo depois (tão franzino era talvez aquelle tecido) não nos lembramos de ter sonhado. Na passagem do desmaio á vida ha dois gráos: o primeiro é o sentimento da existencia moral ou espiritual, o segundo o sentimento da existencia physica. É provavel que se quando chegamos ao segundo gráo pudessemos evocar as im-