SOMBRA(1)
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Vós que lêdes, por certo que estaes ainda entre os vivos; mas eu que escrevo, terei partido ha muito para a região das sombras, quando estas notas chegarem a ser vistas pelos homens; porque antes d'isso hão de acontecer casos singulares, revelar-se-ão grandes mysterios, e longos seculos terão passado. Depois de as terem lido, uns acredidarão, outros terão duvidas, e bem poucos meditarão sobre os caracteres que gravo n'estas taboas com um estylete de ferro.
O anno decorrido tinha sido um anno de terro, cheio de sentimentos lugubres e intensos para os quaes não ha nome na superficie da terra. Muitos signaes e varios prodigios se haviam produzido, e a peste desenrolava as suas azas por toda a parte, sobre a terra e sobre o mar. Aqueles que eram entendidos nos astros, não ignoravam que o aspecto dos céos presagiava desgraça; e para mim, entre outros, o grego Oinos, era evidente que estavamos chegados ao septingentesimo nonagesimo quarto anno, em que, á entrada do Carneiro, o planeta Jupiter opera a sua conjuncção com o annel vermelho do terrivel Saturno.
(1) Ha uma bella paraphrase em verso deste conto pelo Dr. de Adherbal de Carvalho, no volume Ephermeras.