abundancia, pela sua natureza imaginativa e irracional, das qualidades caracteristicas da propria doença. Lembro-me muito bem, entre outros, do tratado do nobre italiano, Coelius Secundos Curio, De amplitudine Beati de Dei; da grande obra de Santo Agostinho, A Cidade de Deus, e do Carne Christi de Tertuliano, cujo estranho pensamento: Mortuus est Dei Filius; credibile est quia ineptum est; et scpultus resurrexit; certum est quia impossibile est, absorreu exclusivamente toda a minha existencia, durante muitas semanas de laboriosas e infructiferas investigações.
A minha razão, assim desequilibrada por cousas insignificantes, fazia lembrar aquella rocha maritima de que fala Ptolomeu Hephestion, a qual resistia immutavel a todos os ataques dos homens, e até ao furor dos ventos e das tempestades mas que tremia só ao contacto da flor chamada asphodéle. A um pensador desattento, parecerá evidente que a alteração terrivel produzida no estado moral de Berenice, pela sua doença deploravel, devesse fornecer-me um grande assumpto para exercer a meditação anormal, cuja natureza acabo de explicar. Pois bem! não aconteceu assim. Nos intervallos lucidos da minha enfermidade, a desgraça de Berenice causava-me realmente magua. Enternecia-me profundamente a ruina total da sua vida alegre e doce. Meditava muitas vezes e com amargura sobre as causas terrivelmente mysteriosas que tinham podido produzir uma revolução tão estranha e repentina. Mas essas reflexões, taes como se teriam aprèsentado em circumstancias analogas á massa ordinaria dos homens, não partipavam da idiosyncrasia do meu mal. Durante os accessos, a minha monomania, fiel ao seu caracter frivolo, só se preoccupava com as mudanças menos importantes, porém mais notaveis, que se manifestavam no systema physico de