Carlos depor... Ia depor, sim, mas não sobre o murro no ombro de sua senhoria. Que importava o murro? O grave era o que estava por trás do murro - uma conspiração contra a Ordem, a Igreja, a Carta e a Propriedade! É o que ele provaria de alto ao senhor administrador. Este murro, ilustríssimo senhor, é o primeiro excesso duma grande revolução social!
E empurrando o batente de baeta que dava acesso para a administração do concelho de Leiria, ficou um momento com a mão no ferrolho, enchendo o vão da porta da pompa da sua pessoa. Não, não havia o aparato judicial que ele concebera. O réu lá estava, sim, o pobre João Eduardo, mas sentado à beira do banco, com as orelhas em brasa, olhando estupidamente o soalho. Artur Couceiro, embaraçado com a presença daquele íntimo dos serões da S. Joaneira, ali no assento dos presos, para o não olhar fixara o nariz sobre o imenso copiador de ofícios, onde desdobrara o Popular da véspera. O amanuense Pires, de sobrancelhas muito erguidas e muito sérias, embebia-se na ponta da pena de pato que aparava sobre a unha. O escrivão Domingos, esse sim, vibrava de atividade! O seu lápis rascunhava com furor; o processo estava-se decerto apressando; era tempo de trazer a sua idéia... E o Carlos então adiantando-se:
— Meus senhores! O senhor administrador?
Justamente, a voz de sua excelência chamou de dentro do seu gabinete:
— Ó Sr. Domingos?
O escrivão perfilou-se, puxando os óculos para a testa.