E foi grande a sua alegria quando lhe pareceu que enfim z paixão por Amaro já não era na alma dela um sentimento vivo; mas estava morto, embalsamado, arrumado no fundo da sua memória como num jazigo, escondido já sob a delicada florescência duma virtude nova. Assim julgava pelo menos o bom Ferrão - vendo-a agora aludir ao passado com o olhar tranquilo, sem aqueles rubores que outrora lhe escaldavam a face ao simples nome de Amaro.

Ela, com efeito, já não pensava no senhor pároco com a comoção de outrora: o terror do pecado, a influência penetrante do abade, aquela brusca separação do meio devoto em que o seu amor se desenvolvera, o gozo que sentia numa serenidade maior, sem sustos noturnos e sem a inimizade de Nossa Senhora, tudo concorrera para que o fogo ruidoso daquele sentimento se fosse reduzindo a alguma brasa que ainda rebrilhava surdamente. O pároco estivera ao princípio na sua alma com o prestígio dum ídolo coberto de ouro; mas tantas vezes, desde a sua gravidez, sacudira, nas horas de terror religioso ou de arrependimento histérico, aquele ídolo, que todo o dourado lhe ficara nas mãos, e a forma trivial e escura que aparecia por baixo já a não deslumbrava; viu por isso o abade derrubar-lho inteiramente, sem chorar e sem lutar. Se ainda pensava em Amaro, é porque não podia deixar de pensar na casa do sineiro; mas o que a tentava ainda era o prazer e não o pároco.

E com a sua natureza de boa rapariga tinha um reconhecimento sincero pelo abade. Como dissera a Amaro naquela tarde, "devia-lhe tudo".