consciência de tudo... Sabe tanto como Deus... De fato, é Deus mesmo.

O abade pulou.

— Isso não é discutir, exclamou, isso não é discutir!... Isso são chalaças à Voltaire! Essas coisas devem-se tratar mais de alto...

— Como chalaças, abade? Tome um exemplo: a formação das línguas. Como se formaram? Foi Deus, que descontente com a Torre de Babel...

Mas a porta da sala abriu-se, e apareceu a Dionísia. Havia pouco o doutor tinha-lhe dado uma desanda no quarto de Amélia; e agora a matrona falava-lhe sempre encolhida de terror.

— Senhor doutor, disse ela no silêncio que se fez, a menina acordou e diz que quer o filho.

— E então? A criança levaram-na, não?

— A criança levaram-na... disse a Dionísia.

— Bem, acabou-se...

Dionísia ia fechar a porta, mas o doutor chamou-a.

— Ouça lá, diga-lhe que a criança vem amanhã... Que amanhã sem falta lha trazem. Minta. Minta como um cão; aqui o senhor abade dá licença... Que durma, que sossegue.

A Dionísia retirou-se. Mas a controvérsia não recomeçou: diante daquela mãe que acordava depois da fadiga do parto e reclamava o seu filho, o filho que lhe tinham levado para longe e para sempre, os dois velhos esqueceram a Torre de Babel e a formação das línguas. O abade, sobretudo, parecia comovido. Mas o doutor não tardou, sem piedade, a lembrar-lhe que eram aquelas as consequências da situação do padre na sociedade...