frasco na mão. A Igreja fora a Nação; hoje era uma minoria tolerada e protegida pelo Estado. Dominara nos tribunais, nos conselhos da Coroa, na fazenda, na armada, fazia a guerra e a paz; hoje um deputado da maioria tinha mais poder que todo o clero do reino. Fora a ciência no país; hoje tudo o que sabia era algum latim macarrônico. Fora rica, tinha possuído no campo distritos inteiros e ruas inteiras na cidade; hoje dependia para o seu triste pão diário do ministro da Justiça, e pedia esmola à porta das capelas. Recrutara-se entre a nobreza, entre os melhores do reino; e hoje, para reunir um pessoal, via-se no embaraço e tinha de o ir buscar aos enjeitados da Misericórdia. Fora a depositária da tradição nacional, do ideal coletivo da pátria; e hoje, sem comunicação com o pensamento nacional (se é que o há) era uma estrangeira, uma cidadã de Roma, recebendo de lá a lei e o espírito...

— Pois se está assim tão prostrada, mais uma razão para a amar! - disse o abade, erguendo-se escarlate.

Mas a Dionísia tinha de novo aparecido à porta.

— Que temos mais?

— A menina está-se a queixar dum peso na cabeça. Diz que sente faíscas diante dos olhos...

O doutor então imediatamente, sem uma palavra, seguiu a Dionísia. O abade, só, passeava pela sala ruminando toda uma argumentação erriçada de textos, de nomes formidáveis de teólogos, que ia fazer desabar sobre o doutor Gouveia. Mas, meia hora passou, a luz do candeeiro ia esmorecendo, e o doutor não voltou.