Tio Cegonha nos dias de lição. Assim se estabeleceu entre ela e o velho uma grande intimidade. E o pobre Tio Cegonha, saindo do seu frio isolamento, acolhia-se àquela amizade inesperada, como a um conchego tépido. Encontrava nela o elemento feminino que amam os velhos, com as carícias, as suavidades de voz, as delicadezas de enfermeira; achava nela a única admiradora da sua música; e via-a sempre atenta às histórias do seu tempo, às recordações da velha Sé de Évora que ele amava tanto, e que lhe fazia dizer, quando se falava de procissões, ou de festas de igreja:
— Para isso Évora! em Évora é que é!
Amélia aplicava-se muito ao piano: era a coisa boa e delicada da sua vida; já tocava contradanças e antigas árias de velhos compositores; a Sra. D. Maria da Assunção estranhava que o mestre lhe não ensinasse o Trovador.
— Coisa mais linda! dizia.
Mas o Tio Cegonha só conhecia a música clássica, árias ingênuas e doces de Lully, motivos de minuetes, motetes floridos e piedosos dos doces tempos freiráticos.
Uma manhã o Tio Cegonha encontrou Amélia muito amarela e triste. Desde a véspera queixava-se de "mal-estar". Era um dia nublado, muito frio. O velho queria ir-se embora.
— Não, não, Tio Cegonha, disse ela, toque alguma coisa para eu me entreter.
Ele tirou o seu capote, sentou-se, tocou uma melodia simples, mas extremamente melancólica.
— Que lindo! que lindo! dizia Amélia, de pé junto ao piano.