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Com a assinatura da Diretiva 93/98/CEE, passou-se a discutir se as prorrogações de guerra deveriam, ou não, ser adicionadas ao tempo de proteção, que já havia sido estendido em mais 20 anos, o que teve como consequência devolver ao domínio privado as obras de Monet. Não sendo adicionadas as prorrogações de guerra, as obras de Monet entrariam em domínio público (de novo!) em 1997 (1927 + 70 anos). Contando as prorrogações de guerra, seriam adicionados no mínimo outros 14 anos.

O judiciário francês foi provocado para se pronunciar sobre o assunto. De acordo com extratos das decisões, em primeira instância se decidiu que todos os prazos deveriam ser cumulados porque (i) as obras não haviam sido devidamente exploradas economicamente durante a guerra; (ii) o legislador não havia expressamente revogado as prorrogações decorrentes do período bélico e (iii) uma decisão neste sentido preservava os  direitos adquiridos[1].

No entanto, quando revista em instância superior, o processo judicial teve desfecho distinto. O entendimento que prevaleceu foi no sentido de não se contar os prazos de prorrogação em virtude da guerra porque (i) a Diretiva 93/98/CEE tinha por objetivo exatamente harmonizar os prazos de proteção aos direitos autorais dentro da União Europeia; (ii) o prazo de 50 anos acrescido do prazo suplementar de 14 anos já era por si só menor do que o prazo de 70 anos previsto pela Diretiva 93/98/CEE como prazo de harmonização e (iii) os 14 anos do prazo de prorrogação de guerra já haviam também expirado em 1991 e não seria possível contá-los mais uma vez[2].

Prevalecendo esta decisão, é possível que se torne mais fácil contar os prazos de proteção na França[3].


  1. Decisão de 27 de junho de 2001. Disponível em http://www.avocats-publishing.com/article/la-duree-de-la-protec- tion-des. Acesso em 16 de julho de 2010.
  2. Decisão de 16 de janeiro de 2004. Disponível em http://www.avocats-publishing.com/article/la-duree-de-la-pro- tection-des. Acesso em 16 de julho de 2010. Decisão semelhante foi tomada em 2007, por conta de uma disputa judicial acerca dos direitos de um quadro de Verdi, pintado por Boldini, falecido em 1931. O trabalho ingressou em domínio público em 2002, mas os herdeiros do pintor clamavam por proteção até 2016. A Suprema Corte francesa negou o pedido, alegando que as extensões de guerra já se encontram abrangidas pelo prazo previsto pela Diretiva 93/98/CEE. DUSSOLIER, Séverine. Scoping Study on Copyright and Related Rights and the Public Domain; pp. 29 e 30. Disponível em http://www.wipo.int/ip-development/en/agenda/news/2010/news_0007.html.
  3. Até porque a questão pode tomar proporções verdadeiramente labirínticas. Como esta parte do trabalho se presta apenas a apresentar as bases estruturantes do domínio público na experiência internacional, acreditamos que os detalhes mais complexos são dispensáveis. Ainda assim, Stéphanie Choisy apresenta um exemplo bastante ilustrativo. O autor inglês Rudyard Kipling morreu em 1936. Seu livro mais famoso, “The Jungle Book”, foi escrito antes da primeira guerra mundial, o que lhe garante as duas prorrogações no prazo de proteção. Pela lei francesa antes da Diretiva 93/98/CEE, “The Jungle Book” estaria protegido por 64 anos e 272 dias — até 28 de outubro de 2000. Dessa forma, o livro não voltou ao domínio privado com o aumento de prazo imposto pela Diretiva 93/98/CEE porque quando do advento desta, ainda não havia ingressado em domínio público. Dessa forma, deveria apenas ter seu prazo de proteção prorrogado para cumprir os 70 anos contados da morte do autor, ou seja, até 31 de dezembro de 2006. Imagine-se, agora por hipótese, que Kipling tivesse publicado um livro novo em 1925. Esse livro não gozaria senão da segunda prorrogação de guerra, de 8 anos e 120 dias. Este outro livro entraria em domínio público em 31 de maio de 1994. Estando protegida na Alemanha nesse momento, deveria ter seus direitos autorais prorrogados na França. Mas por quanto tempo? Simplesmente acrescentar 20 anos de proteção ao momento em que a obra ingressaria em domínio público na França