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Sérgio Branco

Sob a égide desse influente estatuto legal, o francês Pierre-Joseph Proudhon escreveu seu célebre tratado “Que é a Propriedade?”, onde critica fortemente o instituto, símbolo máximo da vitória burguesa que se consolidava no século então em curso.

Logo no início de sua obra, Proudhon ataca a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) por incluir a propriedade entre os direitos naturais, como a liberdade, a segurança e a resistência à opressão[1]. Afirma ainda que “[o] direito de propriedade foi o princípio do mal sobre a terra, o primeiro annel da grande cadeia de crimes e de miserias que o genero humano vem arrastando desde o seu nascimento”[2].

Ainda assim, o que se viu nos anos seguintes foi a construção do direito de propriedade como um direito subjetivo por excelência, que passou a integrar o ordenamento jurídico positivado da maioria dos países.

Foi “a partir da justificação da propriedade com base no trabalho que os movimentos sociais do século dezanove põem em causa o direito de propriedade privada do liberalismo”[3]. Em tal cenário, as ideias de Locke (que via no trabalho uma justificativa da propriedade) passam a ser inevitavelmente contestadas com o alvorecer do capitalismo e suas características elementares: a exploração da mão-de-obra alheia (nítida distinção entre o dono do meio de produção e o operário) e o pagamento de salários inferiores ao valor de mercado do bem produzido[4].

Desde o final do século XVIII, a propriedade assume relevo legislativo a partir de dois paradigmas. “De acordo com um deles, desenvolvido na Inglaterra e nos Estados Unidos, a propriedade seria encarada sobretudo no seu aspecto político e vista como 14

  1. “Porque, se a propriedade é um direito natural, como diz a Declaração dos Direitos do Homem, tudo o que me pertence em virtude desse direito é tão sagrado como a minha própria pessôa. É meu sangue. É minha vida. Sou eu mesmo. Quem quer que ataque a minha propriedade, attenta contra a minha existência”. PROUDHON, J. P.. Que é a Propriedade? Estudos sobre o Princípio do Direito e do Estado. Cit.; p. 38.
  2. PROUDHON, J. P.. Que é a Propriedade? Estudos sobre o Princípio do Direito e do Estado. Cit.; p. 80.
  3. BRITO, Miguel Nogueira de. A Justificação da Propriedade Privada numa Democracia Constitucional. Cit.; p. 656. O autor critica a teoria de Proudhon ao afirmar: “[n]o pensamento de Proudhon parecem combinar-se, de forma aparentemente paradoxal, ambas as tendências: com efeito, ao mesmo tempo que proclama ‘a propriedade é um roubo!’, afirma também que ‘a propriedade é a liberdade’. Mas não é apenas a justificação da propriedade com base no trabalho a ser visada pela crítica de Proudhon. De modo mais radical, sustenta que ‘todos os argumentos imaginados para defender a propriedade, quaisquer que sejam, pressupõem sempre e necessariamente a igualdade, quer dizer, a negação da propriedade”.
  4. Curiosamente, Locke não estava se referindo à propriedade intelectual ao desenvolver sua teoria nem jamais se valeu deste argumento para defendê-la. Mas o argumento da proteção em decorrência do trabalho vem sendo invocado sistematicamente para atribuir um direito de propriedade aos frutos da propriedade intelectual. DUSSOLIER, Séverine. Scoping Study on Copyright and Related Rights and the Public Domain; p. 19. Disponível em http://www.wipo.int/ip-development/en/agenda/news/2010/news_0007.html. Na verdade, John Locke critica os monopólios e defende a ideia de domínio público. KING, Peter. The Life and Letters of John Locke. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=BsAIAAAAQAAJ&printsec=frontcover&dq=%22the+life+and+letters+of+john+locke%22&cd=4#v=onepage&q=many%20good%20books&f=false. Acesso em 20 de janeiro de 2011.