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Sérgio Branco

Por outro lado, o uso de um bem material – um automóvel, por exemplo – não se dá nas mesmas condições. Como é óbvio, duas pessoas não podem usar o mesmo carro, ao mesmo tempo, com finalidades diversas.

Essa não-rivalidade no uso dos bens protegidos pela propriedade intelectual acarreta o que se convencionou chamar de “falha de mercado”. Como afirma James Boyle, “quando as coisas são fáceis de serem copiadas e difíceis de excluir terceiros, nós estamos diante de um potencial colapso do mercado”[1].

A escassez dos bens materiais garante que apenas parte da sociedade (aqueles que têm interesse em determinado bem e podem por ele pagar) terão acesso a suas reproduções controladas e que, em virtude desse controle, mantêm em regra um valor de mercado mais ou menos constante.

Os bens protegidos pela propriedade intelectual têm como característica o fato de poderem (em termos práticos) ser copiados. Se pensarmos no momento atual, então, percebemos quão facilmente são feitas cópias (muitas vezes perfeitas) de obras protegidas por direito autoral, por marcas ou por patentes. Por isso, o mercado, isoladamente, não seria capaz de regular o preço dos bens intelectuais disponíveis. Assim que uma obra intelectual fosse lançada no mercado, seria razoavelmente fácil obter uma cópia não autorizada, o que teoricamente poderia reverter em prejuízo ao titular do direito.

No dizer de Denis Borges Barbosa, “se um agente do mercado investe num desenvolvimento de uma certa tecnologia, e esta, por suas características, importa em alto custo de desenvolvimento e facilidade de cópia, o mercado é insuficiente para garantir que se mantenha um fluxo de investimento”[2]. Como consequência, “a apropriação pelo concorrente de uma nova solução técnica permite que este reduza as margens de retorno do primeiro investidor. Quem não investe aufere, assim, maior prêmio do que aquele que realiza os gastos com o desenvolvimento da tecnologia”[3].

Daí a necessidade de o Estado intervir para suprir a “falha de marcado” por meio da criação de leis de proteção à propriedade intelectual[4].

No entanto, o simples fato de os bens protegidos por propriedade intelectual serem imateriais não é critério suficiente, por si só, para constituir uma categoria autônoma e independente das demais propriedades. Afinal, há outros direitos imateriais que não se enquadram entre os bens protegidos pela propriedade intelectual. Como exemplo,

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  1. BOYLE, James. The Public Domain. New Haven: Yale University Press, 2008; p. 4. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “(...) wherever things are cheap to copy and hard to exclude others from, we have a potential collapse of the market”.
  2. BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris, 2003; p. 72.
  3. BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Cit.; p. 72.
  4. “Assim é que a intervenção é necessária – restringindo as forças livres da concorrência – e criando restrições legais a tais forças. Pois que a criação da propriedade intelectual é – completa e exclusivamente – uma elaboração da lei, que não resulta de qualquer direito imanente, anterior a tal legislação” (grifo do autor). BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Cit.; p. 88.