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Sérgio Branco

Não nos parece, contudo, que a generalização seja incontroversa. Como será devidamente esclarecido, entendemos que tais bens, por mais paradoxal que possa parecer diante da nomenclatura que os une, não estão todos sujeitos ao direito de propriedade[1].

João da Gama Cerqueira, em obra clássica e minuciosa, afirma haver, de um lado, a teoria da propriedade e, de outro, as diversas teorias que pretendem substituí-la[2]. O autor aponta as correntes que encaram os direitos de propriedade intelectual como privilégios de criação legal ou como reconhecimento de caráter subjetivo. Entre as primeiras situam-se as teorias (i) do privilégio, (ii) do monopólio (ainda sob o aspecto da primeira) e (iii) do contrato. Já entre as segundas, as teorias (i) dos direitos patrimoniais, (ii) dos direitos pessoais, (iii) mista (de natureza patrimonial-pessoal)[3].

Robert Sherwood, partilhando a orientação majoritária da doutrina, defende que os bens intelectuais são protegidos enquanto propriedade[4]. Chega a afirmar que “o termo ‘direitos de propriedade intelectual’ é redundante”. Afinal, o conceito de direito estaria implícito em qualquer noção de propriedade[5].

Por outro lado, há doutrinadores que apontam aos bens intelectuais, de maneira geral, natureza jurídica diversa. Denis Borges Barbosa, por exemplo, defende que tais

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  1. Alguns dos diversos tribunais constitucionais do mundo tiveram julgados a respeito da propriedade intelectual selecionados e publicados na obra “A Propriedade Intelectual na Construção dos Tribunais Constitucionais”. Como é possível verificar a partir da análise das decisões transcritas, há decisões no sentido de atribuir a bens de propriedade intelectual a proteção conferida à propriedade tanto quanto proteção a partir de outras concepções, notadamente o monopólio, de modo que cercar todos os bens intelectuais na moldura da propriedade não nos parece adequado. BARBOSA, Denis Borges; BARBOSA, Ana Beatriz e GRAU-KUNTZ, Karin. A Propriedade Intelectual na Construção dos Tribunais Constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
  2. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. I. Cit.; pp. 97-149.
  3. Não desejamos minudenciar cada uma dessas teorias porque seria excedente aos limites e às intenções deste trabalho. Na medida do que se nos apresente necessário, referidas teses serão apresentadas apenas com o fim de esclarecer o que julgamos útil: em última análise, apontar a natureza jurídica do direito autoral.
  4. “É um tanto curioso que os conceitos de propriedade sejam atribuídos mais facilmente a coisas tangíveis que a coisas intangíveis. Se uma pessoa furta minha caneta ou minha bicicleta, surge uma sensação geral de violação em quase todas as culturas. Se uma pessoa rouba meu projeto para uma caneta ou uma bicicleta, o instinto de condenação já não é tão forte. No entanto, a utilidade comercial do intangível pode ser muito grande. A caneta é uma quantidade fixa de um; o projeto da caneta, embora um só, paira como uma possibilidade impalpável de fabricação de muitas canetas. O estudo da economia na última década vem esclarecendo o valor bastante considerável do conhecimento como tal, distinguindo-o dos bens que resultam deste conhecimento”. SHERWOOD, Robert M. Propriedade Intelectual e Desenvolvimento Econômico. São Paulo: ed. da Universidade de São Paulo (EDUSP), 1992; p. 23. O autor aparentemente não está levando em conta diversas das distinções anteriormente indicadas, como a não-rivalidade dos bens intelectuais e seu prazo de proteção limitado.
  5. SHERWOOD, Robert M. Propriedade Intelectual e Desenvolvimento Econômico. Cit.; p. 22.