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Sérgio Branco

Assiste, de novo, razão a Alexandre Dias Pereira ao afirmar que para se qualificar o direito autoral como um direito que abrange um feixe de direitos de propriedade (os direitos patrimoniais) e um feixe de direitos de personalidade (os direitos morais) é necessário, antes de qualquer outra coisa, definir o que se entende por direitos de propriedade e de personalidade. Daí é que ganham corpo teorias como as do monopólio ou de exclusivo, que constituiriam um tertium genus dentro da classificação dos direitos[1].

José de Oliveira Ascensão, ao dar início à sua profunda análise da natureza jurídica do direito autoral, principia declarando que “[u]ma primeira qualificação é fácil – o direito de autor é uma situação jurídica subjetiva[2]. A seguir, estabelece serem os direitos autorais um tipo de direito absoluto, sem que com isso signifique dizer que se tratam de direitos reais[3]. A partir daí, entretanto, apresenta-nos, exemplificativamente, diversas das incontáveis teorias já esmiuçadas pelos demais autores na análise da mesma questão[4].

Ascensão acaba por concluir que a obra protegida por direito autoral “não pode caber em propriedade a ninguém”[5], pelos seguintes argumentos: “[p]or natureza, a obra literária ou artística não é susceptível de apropriação exclusiva, não podendo, portanto, originar uma propriedade. Uma vez divulgada, a obra literária ou artística comunica-se a todos os que dela participarem. Não pode estar submetida ao domínio exclusivo de um só”[6].

Para Ascensão, a grande distinção entre a propriedade material e a natureza dos direitos autorais reside no poder que o titular do direito pode exercer sobre a coisa representativa de seu direito. Alguns autores, que defendem não haver qualquer distinção entre a propriedade material e a imaterial, alegam que o gozo por terceiros (os usuários) da obra protegida por direito autoral seria como cheirar flores alheias, que em nada atingiria a integridade do respectivo direito patrimonial, assim como os visitantes de um hotel não prejudicariam os direitos de seu proprietário.

A esse raciocínio, Ascensão responde com as seguintes palavras[7]:


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  1. PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. Cit.; p. 114. A pesquisa do autor aponta no sentido de que a natureza jurídica do direito autoral vem assumindo características distintas a depender do país onde a questão é analisada. Tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, por exemplo, o direito autoral seria verdadeiro direito de propriedade. Na Alemanha, o direito autoral é constitucionalmente protegido como direito de propriedade. Na França, seria direito de personalidade, “afirmando-se a propriedade ou o direito de exclusivo relativamente aos direitos patrimoniais”. Na Espanha, assim como na Itália, o direito de autor pode ser qualificado pela jurisprudência como uma forma especial de propriedade, ainda que contando com pouco apoio da doutrina. Na Itália, inclusive, haveria uma forte corrente classificatória dos direitos autorais como um direito de exclusivo.
  2. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 598.
  3. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 601.
  4. Sendo assim, Ascensão menciona as teorias personalísticas e patrimonialísticas, cabendo a cada grupo uma gama de outras teorias.
  5. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p.606.
  6. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 604.
  7. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; pp. 605-606.