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O domínio público no direito autoral brasileiro
– Uma Obra em Domínio Público –

protegida. Mas ao contrário dos direitos patrimoniais, os morais não se extinguem necessariamente com o fim do prazo de proteção. Sendo assim, mesmo que o direito de exclusivo sirva como justificativa, há que se fazer algum temperamento[1]. Parece-nos, por isso, inevitável atribuir aos direitos morais do autor a natureza de direitos pessoais, ou extrapatrimonais, em contraposição aos direitos autorais patrimonais, pois que os efeitos que se abatem sobre cada feixe de direitos após o decurso do prazo de proteção são distintos, de modo que devem pertencer a categorias de fato distintas.

Por todo o exposto, concordamos com Ascensão e entendemos que os direitos autorais têm por natureza jurídica ser um direito de exclusivo. O direito é conferido pela lei e não por emanação de um suposto direito natural[2]. O direito exclusivo é adequado para justificar tanto (i) o direito patrimonial, que não é direito de propriedade, ainda que seja um direito, como o próprio nome diz, economicamente aferível, quanto (ii) o direito moral, que não é direito da personalidade, ainda que seja um direito pessoal – que inclusive lhe serviria de nomenclatura mais adequada.

Diante das considerações traçadas ao longo deste capítulo, entendemos que “propriedade intelectual” não parece ser a qualificação mais adequada para tratar os bens aqui analisados. Melhor seria denominá-los “direitos intelectuais”[3], já que se trata substancialmente de uma atribuição legal distinta da propriedade. Mesmo no que diz respeito às marcas, conquanto se assemelhem mais à propriedade do que os demais bens qualificados como pertencentes à propriedade intelectual, há características que as distanciam

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  1. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 614. O autor não se furta às inevitáveis críticas, antecipando-as. Afirma que “nem sempre a situação nos surge com a mesma nitidez. Assim, no direito de retirada ou no direito à integridade são elementos da personalidade, como a honra, que surgem em primeiro plano, e não atividades atribuídas em exclusivo. Havendo embora uma extrinsecação da personalidade, há também o aspecto característico de essa extrinsecação se dar a propósito de uma determinada obra. Por isso admitimos que a própria obra é o objeto do direito pessoal do autor”. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 614.
  2. Gustavo Tepedino afirma que “poder-se-ia mesmo dizer quem fora de um determinado contexto histórico, não existe possibilidade de se estabelecer um bem jurídico superior, já que a sua própria compreensão depende de condicionantes multifacetados e complexos atinentes aos valores sociais historicamente consagrados”. E prossegue: “[a] final, bastaria lembrar que, em nome da vida e da liberdade, inúmeros contingentes humanos já foram sacrificados, invariavelmente sob fundamentos éticos, religiosos e políticos que, invocados pelos Estados, pretendem justificar guerras, genocídios, aparheid e outras formas de descriminação social, sexual, étnica e cultural”. Adiante, exemplifica, de maneira incontornável: “[r]esulta, em definitivo, assaz difícil para os defensores das teses jusnaturalistas definirem o que seria a expressão de direitos sagrados do homem, quando se pensa na variedade de posições adotadas pela consciência social dos povos nas diversas épocas históricas e pontos geográficos e, que se insere a pessoa humana. A religião muçulmana, com suas penas corporais e cirurgias através das quais milhares de mulheres africanas são mutiladas, ao nascer, nos dias de hoje, os países cristãos e as concepções ideológicas que adotam a pena de morte; o regime de escravidão em sociedades consideradas civilizadas; a prática de torturas e de linchamento como formas de sanção socialmente reconhecidas em diversos estados brasileiros; tudo isso coloca em crise a simplista tese segundo a qual seria a consciência universal a estabelecer os direitos humanos e os direitos da personalidade, cabendo ao ordenamento jurídico apenas reconhecê-los”. TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-constitucional Brasileiro. Temas de Direito Civil, 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; pp. 45-46.
  3. Ascensão não apenas se vale da terminologia (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil – Reais. Cit.; p. 39) como defende que a propriedade industrial melhor se chamaria “direito industrial” (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 20).