O INFERNO
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parte dos conhecimentos que os escripturistas registavam. Não exerciam os prophetas um ensino mystico, e não conservava o povo tantas tradições grosseiras contemporaneas de Moysés e talvez anteriores? As passagens respigadas na escriptura e nomeadamente em Isaias, relativas ao inferno, seriam inexplicaveis, se não se lhe referissem; mas seriam egualmente inexplicaveis se o povo não tivesse, para intendel-as, mais luz da que lhe dão essas passagens. Estes trechos não encerram doutrina secreta dos prophetas, respeito á vida futura; contém mais referencias que revelações á crença vulgar e formalissima do inferno.

O nome «Géhenna» que lá dão á paragem das expiações futuras, não era estrangeiro; era o nome de um vale ao poente de Jerusalem, onde, desde a origem de sua historia, iam os hebreus adorar Molock, e sacrificar-lhe no fogo victimas humanas, e, ás vezes, seus proprios filhos. N'este sitio, tambem denominado Trophet, ou «logar horrendo», eram lançados os cadaveres dos justiçados e os despojos dos animaes. Este valle maldito, sagrado pela superstição aos deuses sanguinarios, juncado de carnes putridas e ossadas alvejantes, assombrado de larvas sinistras, resonante de gemidos e rugidos, converteu-se para os moradores da cidade santa, não já em verdadeiro inferno, mas no symbolo exterior e synonymo de inferno. No inferno verdadeiro, ardiam Moloch e os seus idolatras na mesma fogueira; os máos eram roidos pelos vermes; e estes vermes eram immorredouros como as suas