O INFERNO
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marmoreos, tanques, repuxos, tudo resplandeceu. Chega Cezar na sua carroça, escoltado de vistosa côrte, derramando, por sobre as turbas aterradas e jubilosas do seu sorriso, ouro e perolas. Servem-se banquetes. Dançam as filhas do oriente, em quanto os tocadores de alaude e cantores confundem a dôce melodia de seus concertos com os applausos do povo fiel e os derradeiros arrancos dos christãos que vasquejavam em suas tunicas ardentes.

Pouco durou aquelle instructivo espectaculo. N'este mundo, as festas mais bisarras são curtas. Felizmente para os martyres, Nero não era Deus. Diz-se, porém: eil-os, os confessores de Christo apremiados, á volta de um Deus que dá ares de Nero, e como contemplando, á maneira do Cezar, em festa sem fim, milhares de creaturas humanas, estorcendo-se e clamando nas lavaredas, tochas ullulantes, fachos inextinguiveis, testemunho assás consolativo da superioridade do rei do céo sobre os regulos da terra.

Haja paciencia, que ainda falta o mais essencial. Aquellas penas corporaes são quasi nada. Repugnantissimas que ellas se nos figurem, são essas, ainda assim, a menos repugnante cousa que o inferno encerra.