O INFERNO
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porém, não se arrependem, porque o arrependimento é um bem, e o bem não podem elles sentil-o. Se peccam sempre, é que a tanto são obrigados por sentença. Conservam razão e sentidos; mas consciencia não a tem, não discernem entre justo e injusto; não são senhores de seus actos; soffrem avassalados pelos sentidos, apezar da razão.

Esta escravidão absoluta, irremediavel e eterna, explica superabundantemente a immoralidade e o odioso de suas penas. Pois se de todo em todo lhes é impossivel a conversão, inutil e deshumano é o castigo corporal que os tortura.

Se não fosse a perpetuidade d'esta escravidão, seriam intelligiveis a fome, a sede, o lago de sulphur, a cama d'espinhos, o cavalete, a roda, os tractos a fogo e ferro. Vá d'exemplo: eis aqui um criminoso impenitente, que ha folgado com os soffrimentos alheios e calcado todas as leis da terra. Morre. Acabou-se tudo para elle? Não. Que vá, n'outro mundo, saber á sua custa o que é dôr, e que piedade merecem os que soffrem. Deus é bastante poderoso para o castigar a ponto de o fazer bradar por misericordia; é justo que o não poupe; exige-o a humanidade, com a condição de que esse peccador castigado seja ainda homem, isto é, um ser não só intelligente e sensivel, mas livre, e, por consequencia, susceptivel de emenda. Mas, se antes de o ferir, lhe tira o recurso do arrependimento; se, em vez do homem, o que temos á vista é um mero bruto sobrenatural, monstruoso, ignobil, a quem a