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O INFERNO

que o mandes a casa de meu pae, pois que tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, não succeda virem tambem elles parar a este logar de tormento.» E Abrahão lhe disse: «Elles lá tem Moysés e os prophetas: ouçam-os.» Ainda assim, o padecente insiste: «Mas, se algum morto lá fôr, elles farão penitencia.»

Ahi está mudada não só a fortuna do rico avarento, mas o coração tambem. Eil-o humilde, supplicante, submisso. Recebe as recusas sem irar-se; e, em meio de suas dôres, lembra-se enternecido de cinco irmãos que deixou na terra. Não lhes inveja os haveres; pelo contrario, quer incutir-lhes caridade, e só por amor d'elles importuna o seu ascendente Abrahão. Porém, Lazaro e Abrahão sahem-lhe tão rijos como elle tinha sido para com as dôres alheias. O tal Lazaro, cujas chagas os cães lambiam, tornou-se menos piedoso com o proximo do que haviam sido com elle os cães. Refocila-se nas delicias do ceo, como o rico avarento se refocilára nas da terra, e esqueceu o que era penar, e o que se deve a quem pede. No tocante ao patriarcha, esse, em vez de consolar o neto supplicante, desespera-o; e, a segunda vez que o desgraçado ousa pedir-lhe um milagre de bondade, não para si, mas para os irmãos, que lhe responde o outro? Responde seccamente que os irmãos lá tem as escripturas tão dignas de credito como os mortos, pelo menos.

Admiravel, mas, para theologos, incomprehensivel parabola! Eis aqui o inferno converso, repêso, enternecido, o rico aváro deplorativo e caridoso, e por cima,