O INFERNO
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que todos nós. Desfigurou-se-lhe cadavericamente o semblante; os olhos porém brilhavam, e o sorrir tinha um ar celestial. Fallava sem cessar do marido, e do prazer que ella teria em acompanhal-o no soffrimento. A mãe ajoelhou-se diante d'ella, que a levantou amorosamente, rogando-lhe que não pedisse a Deus pela sua alma.

Conseguimos em fim separal-a do filho, e levamol-os um apoz outro, elle já adormecido, e ella luctando comnosco, desgrenhada e rota. Seguiram-na os parentes, e eu fiquei sósinho á beira do cadaver.

V

Bem desejava eu tambem saír: carecia de distrahir-me. Piedade, cólera, fé, duvida, terror, mil contrarios sentimentos me agitavam, dos quaes eu não podia defender-me ao pé do esquife, e depois de similhante espectaculo! Encostei-me á banca onde estava deitado sobre uma alva coberta um crucifixo de marfim, e, contemplando aquella divina imagem, recolhi-me no mais intimo retrahimento d'alma. Perguntava eu a mim mesmo, com o coração apertado, o que devia crer-se da vida e morte de Christo, e se era certo que elle descesse do céo, como se dizia, para assombrar os justos, desesperar os peccadores, e conturbar a razão dos fracos. E a mim me quiz parecer que Jesus estava ali, e pensei vêl-o chorar, e