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O INFERNO

como deviam, se raciocinam; e não podem fundamentar a sua argumentação sobre ensino authentico da egreja[1]. É mister, por desgraça, renunciar á orthodoxia ou condemnar despiedosamente mais de tres quartos do genero humano. O justo, estranho á Egreja, a quem nos prohibem de offerecer a mão, não existe aos olhos da fé: é um phantasma que avulta á vossa piedade. Se ha ignorancia involuntaria e invencivel, não é a do idiota? Ora ahi está! o idiota, o cretino, o aborto sem olhos nem ouvidos peccaram no ventre materno, peccaram mortalmente, e só pelo baptismo conseguirão justificar-se. Como é então que ha de subtrahir-se ás tentações e ás sincadilhas de que tanto a custo se escapam os filhos da Egreja, um ente egualmente viciado em sua natureza, mas mais livre, se envelheceu sem revelação e sacramentos? Onde ganhará elle amor ao bem e vigor para pratical-o? Tal hypothese é heresia por atacado; só poderemos aceital-a como excepção milagrosa; e, n'essa qualidade, não

  1. Este ensino multiplicou-se com diversos aspectos: peccado original; necessidade do baptismo; ha uma só fé e um só baptismo; fóra da egreja não ha salvação; necessidade dos sacramentos da penitencia, de confirmação, etc., como auxiliares de nossas enfermidades, depois do baptismo, necessidade e conjunctamente insufficiencia da prégação e da leitura; inefficacia das boas obras sem os sacramentos; manhas e poderio de Satan; impossibilidade de viver e morrer em estado de graça fóra da Egreja que é a dispenseira das graças, etc., etc. Encheriam um volume os decretos, promulgados áquelle intento, e os anathemas fulminados contra quem houvesse dito ou viesse a dizer o contrario d'esses decretos.