O INFERNO
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III

Advogados do inferno, que sabeis a tal respeito? Sereis acaso mais innocentes do que eu? É verdade que sou peccador. Se todavia as minhas acções e as vossas fossem pezadas, talvez eu podesse estar a respeito do futuro tão tranquillo como vós. Mas Deus não me ha de comparar comvosco para absolver-me ou condemnar-me: será com o modêlo de perfeição que eu tenho no espirito, e que eu devêra ter copiado no decurso de minha vida. Não pratiquei — de mais o sei — todo o bem que podia; condescendi com fraquezas que vós, por ventura, não conhecestes; mas talvez que eu, sem que o soubesseis, me esforçasse e vencesse nos conflictos em que succumbistes. Eu não vos julgo, ó crentes no inferno, que encaraes sem impallidecer; eu, porém, que não creio no vosso inferno, não posso sem pavor meditar no julgamento divino. Não desespero na bondade de Deus, mas creio em sua justiça, e nutro viventissimo sentimento da perfeição evangelica, e por isso mesmo sinto grandissimo pezar de minhas culpas, e não me considero isento de expiação.

Oxalá que eu podesse dar de mim melhor testemunho! Podesse eu chegar mais confiadamente ao tribunal do soberano juiz! Tivesse eu tão socegado o espirito como inculcais o vosso, ou tão puro como vós