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O INFERNO


Ora pois, se assim é, se o abysmo está aberto e o cahir é irremediavel, cerremos os olhos e não cogitemos mais em tal. Entre o céo inacessivel e o inferno d'onde não ha mais sahir, resta-nos um momento só: gozemol-o, ó meus amigos. Que é isto de estar a gente a empeçonhar, com terrores vãos, prazeres, tão raros quão fugitivos? Não pensemos no que será; pensar n'isso e desesperar é a mesma coisa: desesperar de entrar no céo, e desesperar de sahir do inferno. Saboreemos o presente. Vivamos terrenamente: aqui ha creaturas ridentes que nos alegram, fragrancias que nos deliciam, e licores que atrophiam a memoria.

Quem é ahi o sandeu que falla em inferno? Não ha inferno, minha mãe! Conclue em paz os teus dias extremos. Não contristes com visões pavorosas essas creancinhas que te escutam, e que talvez falleçam antes de nós. Ride, ó meus filhinhos: a vida vos será breve e repleta de miserias, quando crescerdes.

Eu desejo, senhora, que a minha casa seja mansão de jubilos e não de tedios: quero ser amado pelo que sou e não por caridade; quero ser obedecido amorosamente e não com submissão de escrava; aliás, buscarei quem me ame, e me corresponda. Engrinalda-te de rosas, minha bella! Não ha inferno, e o paraizo tem-l'o ahi á mão. Enche-me o copo, e dorme placidamente nos meus joelhos. Amar! amemo'-nos, até á morte; que da morte para além começa o odio!

Ah! que bizarra invenção não foi esta do inferno! Um abysmo para onde naturalmente nos inclinamos,