Os tempos mudaram, meu caro. Há vinte anos um sujeito para fingir de pensador começava por ter a barba por fazer e o fato cheio de nódoas. Hoje, um tipo nessas condições seria posto fora até mesmo das confeitarias, que são e sempre foram as colmeias dos ociosos. Depois, há a concorrência, a tremenda concorrência de trabalho que proíbe os romantismos, o sentimentalismo, as noites passadas em claro e essa coisa abjeta que os imbecis divinizam chamada boêmia, isto é, a falta de dinheiro, o saque eventual das algibeiras alheias e a gargalhada de troça aos outros com a camisa por lavar e o estômago vazio...

— Há de permitir que eu o considere feroz.

— Bato um corpo morto, bato no passado... Se hoje o escritor não trabalha em vinte e quatro horas mais do que um seu colega trabalhava em dois meses há vinte anos, vê os seus assuntos aproveitados, as suas idéias escritas, o seu pão comido pelos outros e talvez com maior originalidade. E a concorrência não é só de homens, é também das mulheres, algumas das quais, como a cintilante e espiritual Carmem Dolores, ultrapassam a maioria dos homens em encanto, modernismo e elegância, conquistando de súbito o favor público. Depois, quais são as resultantes do seu gravíssimo inquérito?

— Isso, pergunto eu.