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— Um pouco, de morrer affogada. D’uma bala ou d’uma facada, não me custava. Mas aqui, estupidamente, n’este antipathico elemento, é cruel! Ao menos não morro só! Lá se vae a sua linda prima!...

— Porque odeia a pobre condessa? disse-lhe eu, sorrindo.

— Eu! de modo algum. Acho-a piegas, detesto aquelles ares sentimentaes, deshonra a Peninsula. Ahi está.

— Não é isso: é porque suppõe que Captain Rytmel se interessa de mais por ella.

— E que me importa a mim esse cavalheiro?

E deu uma curta risada.

No emtanto o ar abafado da sala, o movimento do navio perturbava-me. Subi á tolda. A condessa e Rytmel não passeavam. Tinham-se sentado, segundo deprehendi, debaixo da tenda. Eu, de pé, atravez da lona podia escutar, apesar do ruido do vento.

Uma curiosidade indomavel, a necessidade de comprehender a situação do espirito da condessa, a certeza de que estavamos na afflição d’um perigo, — e as acções humanas n’esses momentos não se podem sujeitar ao criterio da vida trivial, — tudo me levou a ir escutar, apesar das repugnancias do meu caracter. Acerquei-me, fiz ouvido d’espião:

— E custa-lhe morrer?

— Muito e nada, respondia a condessa. Muito porque morre commigo o primeiro interesse que tenho na vida, que é a sua amisade; nada, porque, francamente, sou eu feliz?

— Se a minha amisade é para si um interesse profundo...

A condessa calou-se.

— Oh! comprehendo-a bem, disse Rytmel. Sabe por que não é feliz, apesar da minha amisade? É porque não é a minha amisade o que o seu coração precisa. Oh! deixe-me fallar! É o amor profundo, inalteravel, omnipotente, que esteja em todos os momentos da sua vida e em todas as idéas do seu espirito; que viva do prazer e viva do sacrificio; que seja a ultima rasão da vida, a consolação, a esperança, o ideal absoluto; que pelo que ha de mais ardente prenda os seus olhos, e pelo que ha de mais elevado prenda a sua alma...

— Cale-se, cale-se, dizia a condessa. É uma loucura fallar assim... Vamos passear, vamos ver o mar.

O vento agora era terrivel. O mar estava como agua de sabão a perder de vista. O navio oscilava perdidamente, e sem rumo. No emtanto, na machina trabalhava-se sempre.