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AS REVELAÇÕES DE A. M. C.

 

I

 

Senhor Redactor. — Dirigindo-lhe estas linhas, submetto-me á sentença de um tribunal de honra, constituido para julgar a questão levantada perante o publico pelas cartas do doutor *** estampadas n’essa folha. Obriguei-me a referir quanto se passou por mim como actor d’esse doloroso drama, e venho desempenhar-me d’este encargo. Possam estas confidencias, escriptas com o mais consciencioso escrupulo, conter a lição que existe sempre no fundo de uma verdade! A existencia intima de cada um de nós é uma parte integrante da grande historia do nosso tempo e da humanidade. Não ha coração que, desvendado nos seus actos, não offereça uma referenda ou uma contestação aos principios que regem o mundo moral. Quando o romance, que é hoje uma fórma scientifica apenas balbuciante, attingir o desenvolvimento que o espera como expressão da verdade, os Balzacs e os Dickens reconstituirão sobre uma só paixão um caracter completo e com elle toda a psychologia de uma época, assim como os Cuviers reconstituem ja hoje um animal desconhecido por meio d’um unico dos seus ossos.


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Sabem que sou natural de Vizeu. Criei-me n’uma aldeia encravada entre dois montes da Beira; açoitado de quando em