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encarnado, calção curto. Era um homem velho, de cabellos brancos, polido e nedio como um embaixador, serio como uma estatua, penteado como um gentleman. Fallou-me em francez e conduziu-me.

As escadas eram pintadas e envernizadas de branco, luzidias como o peito engommado de uma camisa. Ao meio dos degraus corria um tapete de veludo passado em varetas de cobre reluzente. No patamar projectava-se da parede uma concha de alabastro, cheia de plantas de longas folhas, em cima das quaes gotejava a agua de uma pequena fonte. No alto da escada a mobilia era branca, as paredes forradas de verde, cobertas de molduras doiradas encerrando quadros a oleo. A luz, suave e alta, vinha atravez de vidros baços. Havia o ar sereno e o perfumado silencio de uma tranquillidade elegante e feliz. Não me parecia o palacio de um fidalgo, nem o palacete de um burguez, mas sim o ninho domestico de um poeta ou de um artista.

Levantou-se um reposteiro e entrei em uma sala forrada de coiro, circumdada de sophás e de poltronas com estofos de marroquim cravejado de aço, grandes vasos de porcelana e alguns bronzes, um dos quaes representava o busto da condessa, assignado e datado de Milão. Um dos espessos reposteiros que cobriam as portas estava corrido e deixava ver, no meio da casa proxima, que era um salão antigo, um piano de ebano volumoso e longo em cujo flanco se lia em grandes caracteres de prata o nome de Erard. Junto do piano, inclinado sobre um fauteuil, achava-se um violoncello defronte de uma estante de marfim. Sobre as chaminés de marmore havia alguns livros e vasos com flores. Os moveis estavam dispostos de maneira que parecia conversarem baixinho em coisas delicadas e intimas. Sentia-se que estava ali, domiciliada n’um aconchego feliz, uma existencia espirituosa e contente: percebia-se no ar e no aspecto das coisas, o vago prestigio do perfume, da harmonia, do calor, que as pessoas que ahi tivessem estado haviam derramado em volta de si, conversando, lendo, fazendo musica. Eu tinha levantado os olhos de um livro sobre a mesa do centro da sala, quando vi defronte de mim, ao fundo de um grande espelho, uma figura immovel, tectrica, espectral. Voltei-me rapidamente, e não pude reprimir um grito de pasmo e de terror. Era a condessa.

Horrivel transformação por que ella passára! Durante as poucas horas que haviam mediado entre esse momento e a ultima vez que a vira, a condessa de W... tinha envelhecido dez annos. Os olhos profundamente encovados haviam tomado uma expressão apagada e immovel; a carne tinha