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V

 

Hoje, mais socegado e sereno, posso contar-lhe com precisão e realidade, reconstruindo-o do modo mais nitido, nos dialogos e nos olhares, o que se seguiu á entrada imprevista d’aquella pessoa no quarto onde estava o morto.

O homem tinha ficado estendido no chão, sem sentidos: molhámos-lhe a testa, demos-lhe a respirar vinagre de toilette. Voltou a si, e, ainda tremulo e pallido, o seu primeiro movimento instinctivo foi correr para a janella!

O mascarado, porém, tinha-o envolvido fortemente com os braços, e arremessou-o com violencia para cima de uma cadeira, ao fundo do quarto. Tirou do seio um punhal, e disse-lhe com voz fria e firme:

— Se faz um gesto, se dá um grito, se tem um movimento, varo- lhe o coração!

— Vá, vá, disse eu, breve! responda... Que quer? Que veio fazer aqui?

Elle não respondia, e com a cabeça tomada entre as mãos, repetia machinalmente:

— Está perdido tudo! Está tudo perdido!

— Falle, disse-lhe o mascarado, tomando-lhe rudemente o braço, que veiu fazer aqui? Que é isto? como soube?...

A sua agitação era extrema: luziam-lhe os olhos entre o setim negro da mascara.

— Que veiu fazer aqui? repetiu agarrando-o pelos hombros e sacudindo-o como um vime.

— Escute... disse o homem convulsivamente. Vinha saber... disseram-me... Não sei. Parece que já cá estava a policia... queria... saber a verdade, indagar quem o tinha assassinado... vinha tomar informações...

— Sabe tudo! disse o mascarado, aterrado, deixando pender os braços.

Eu estava surprehendido; aquelle homem conhecia o crime, sabia que havia ali um cadaver! Só elle o sabia, porque deviam ser de certo absolutamente ignorados aquelles successos lugubres. Por consequencia quem sabia onde estava o cadaver, quem tinha uma chave da casa, quem vinha alta noite ao logar do assassinato, quem tinha desmaiado vendo-se surprehendido, estava positivamente envolvido no crime...