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— Hurrah! hurrah! continuavam gritando os caçadores.

Carmen, então, arremessando-se aos meus braços, beijou-me na testa com enthusiasmo, dizendo alto:

— Salvou-me a vida! Devo-lhe a vida!...

E mais baixo, murmurou-me ao ouvido:

— Amo-te.

A tarde cahia. Sentiamos os braços fracos, e grande sede. Começámos a dirigir-nos para Calcuttá. Descançámos n’uma plantação de indigo. E ao começar da noite, com archotes accesos e cantando, partimos alegremente para a cidade, pela floresta, n’um caminho conhecido e seguro. As luzes davam á ramagem attitudes phantasticas; passaros acordando esvoaçavam; e sentia-se o fugir dos chacaes. Era como a volta d’uma caçada barbara, das velhas legendas da India. Carmen tinha aberto as cortinas do palanquim. Eu montava, ao lado d’ella, o cavallo do malaio morto. Ella inclinou-se para mim e com a voz abafada:

— Juro-te, disse-me, que te amo, como só no nosso paiz se ama. Juro-te que em todas as circumstancias, sempre darei a minha vida pela tua, quererei os teus perigos, serei a tua creatura, e só te peço uma cousa.

— O quê?

— É que de vez em quando, quando não tiveres melhor que fazer, te lembres um pouco de mim.

O momento, o sitio, os perfumes acres, as phantasticas sombras da floresta, a luz dos archotes, a belleza maravilhosa e fatal de Carmen, os tiros, os sons das trompas, os relinchos dos cavallos, os gritos dos chacaes, tudo me tinha perturbado, exaltado, e esquecendo o senso e a logica, disse-lhe:

— Juro-te que te amo, que sempre te serei leal, e que no dia em que vires que te esqueço, quero que me mates!

Ella segurou a mão que lhe estendi, e com uma caricia humilde, com um gesto de fera que rasteja, curvou-se toda na grade do palanquim, e beijou-me os dedos.

A noite, no entanto, enchia-se de enormes estrellas scintillantes...»

V

 

Ao terceiro dia de viagem do Ceylão, um dia antes de avistarmos Malta, um official inglez, ao almoço, lembrou que n’aquelle dia fazia 28 annos o principe de Galles. Quasi