O reino de Kiato
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tinamente, como as peças de uma machina, até que, de todo gasto, pára, deixa de funccionar; não, porém, por lhe faltar a força motora, o sopro vital, mas pelos orgãos que, de usados, já não podem funccionar. O kiatense tem uma idéa nitida e perfeita da morte. Considera-a um facto natural e necessario; porém a morte a termo. A vida, chegando ao seu limite, si possivel fôra prolongal-a, seria uma grande infelicidade. A senilidade, com a sua companheira demencia, é profundamente horrivel. Tanto tem de desnatural o homem morrer em plena mocidade, como de natural acabar-se quando o organismo se gastou percorrendo todo o cyclo da vida. Nos paizes de homens embrutecidos pelo alcool, apodrecidos pela syphilis, a morte é um phantasma horrivel, aterrador, porque precoce, e portanto desnatural. Não é mais do que um suicidio. Os obitos aqui são raros e o modo por que são feitos os enterros dá uma idéa perfeita do que esta gente pensa sobre homenagem aos mortos e o além tumulo.

Eu estava aqui, havia mezes, quando se deu o acabamento de um centenario. Passava o enterro: um coche funebre puxado por dois cavallos, sem crepe e sem pennachos, preto, completamente preto, sem um galão de prata ou ouro, sem uma corôa, seguido por um automovel com seis homens velhos, filhos e netos do morto, como depois soube. Estranhei que a força que movia o coche fosse animal e não electrica; soube mais tarde que esta excepção era prova de respeito aos mortos.

Tomei um auto e segui o enterro á distancia. O percurso até o cemiterio, fóra da cidade, fez-se sem attrahir a attenção do publico. Os transeuntes não paravam, nem tão pouco se descobriam. As janellas não se enche-