negreiros [1] servia de arena e o porão de subterrâneo. Quem ouviu descrever os horrores do tráfico tem sempre diante dos olhos um quadro que lembra a pintura de Géricault, O Naufrágio da Medusa. A balada de Southey, do marinheiro que tomara parte nessa navegação maldita, e a quem o remorso não deixara mais repouso e a consciência perseguia de dentro implacável e vingadora, expressa a agonia mental de quantos se empregaram nesse contrabando de sangue tendo um vislumbre de consciência.

Uma vez desembarcados os esqueletos vivos, eram conduzidos para o eito das fazendas, para o meio dos cafezais. O tráfico tinha completado a sua obra, começava a da escravidão. Não entro neste volume na história do tráfico e, portanto, só incidentemente me refiro às humilhações que impôs ao Brasil a avidez insaciável e sanguinária daquele comércio. De 1831 até 1850 o governo brasileiro achou-se, com efeito, empenhado com o inglês numa luta diplomática do mais triste caráter para nós, por não poder executar os seus tratados e as suas leis. Em vez de patrioticamente entender-se com a Inglaterra,

  1. Esses navios chamados túmulos flutuantes, e que o eram em mais de um sentido, custavam relativamente nada. Uma embarcação de cem toneladas, no valor de sete contos, servia para o transporte de mais de 350 escravos (depoimento de Sir Charles Hotham, adiante citado, sec. 604).O custo total do transporte desse número de escravos (navio, salários da equipagem, mantimentos, comandante, etc.) não excedia de 10 contos de réis, ou em números redondos 30 mil réis por cabeça. (O mesmo, secs. 604-611). Um brigue de 167 toneladas capturado tinha a bordo 852 escravos, outro de 59, 400. Muitos desses navios foram destruídos depois de apresados como impróprios para a navegação.