cem anos, teria provavelmente feito mais progressos até hoje do que a sua história recorda. A população seria menor, porém mais homogênea; a posse do solo talvez não se houvesse estendido tão longe, mas não houvera sido uma exploração ruinosa e esterilizadora; a nação não teria ainda chegado ao grau de crescimento que atingiu, mas também não mostraria já sintomas de decadência prematura.

Pretende um dos mais eminentes espíritos de Portugal que “a escravidão dos negros foi o duro preço da colonização da América, porque, sem ela, o Brasil não se teria tornado no que vemos”.[1] Isso é exato, “sem ela o Brasil não se teria tornado no que vemos”; mas esse preço quem o pagou, e está pagando, não foi Portugal, fomos nós; e esse preço a todos os respeitos é duro demais e caro demais para o desenvolvimento inorgânico, artificial e extenuante que tivemos. A africanização do Brasil pela escravidão é uma nódoa que a mãe pátria imprimiu na sua própria face, na sua língua, e na única obra nacional verdadeiramente duradoura que conseguiu fundar. O eminente autor daquela frase é o próprio que nos descreve o que eram as carregações do tráfico:

Quando o navio chegava ao porto de destino – uma praia deserta e afastada –, o carregamento desembarcava; e à luz clara do sol dos trópicos aparecia uma coluna de esqueletos cheios de pústulas, com o ventre protuberante, as rótulas

  1. Oliveira Martins, O Brasil e as colônias, 2ª ed., p. 50.