Página:O cancioneiro portuguez da Vaticana (Zeitschrift für romanische Philologie, 1877).pdf/11

O CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA.
47

pagava ao cantor da côrte: "Penkered (musicus primarius) debet habere mercedes de filiabus poetarum sibi subditorum; habebit quoque munera nuptiarum, id est kyvarus neythans, á feminibus nuper datis, scilicet XXIIIIor denarios."[1] A connexão historica e a interpretação litteral mostram que a guarvaya do trovador portuguez é o mesmo facto ou costume bretão kyvarus; a verificação pelos processos da alteração phonetica pertence para outro logar. Em todo o caso este vestigio é um dos nexos mais intimos que se pode achar com o codice perdido de Colocci, em que estavam já colligidos alguns lais bretãos.

A musica do Cancioneiro da Ajuda tambem foi abandonada, por que foram substituidos nos costumes outros instrumentos e outras tonadilhas; no poema francez de Bertrand Du Guesclin, fala-se de cantores bretãos na côrte de D. Pedro I de Portugal. Foi já n'esta nova corrente poetica e com o fervor que ella despertara que se começou a formar o vasto cancioneiro, de cuja existencia se sabe por quatro apographos. Crêmos que o compilador que trasladou ou organisou o texto authentico d'onde saíu o apographo do Vaticano, não soube da existencia do Cancioneiro da Ajuda, apezar das cincoenta e seis canções communs a ambos. Este facto será mais amplamente explicado.


4. O Cancioneiro de Dona Mecia de Cisneros.


Na sua Carta ao Condestavel de Portugal, escripta antes de 1449, o Marquez de Santillana, no § XV, diz que se recordava de ter visto, quando era bastante menino, em poder de sua avó Dona Mecia de Cisneros, entre outros livros, um grande volume de cantigas.... O Marquez de Santillana nasceu em 1398, e sua avó Dona Mecia, na companhia da qual passou a sua infancia, morreu em Dezembro de 1418, em Palencia. Em primeiro logar "o grande volume de Cantigas, e outros livros" citados na carta, existiam em casa de D. Mecia de Cisneros por que provinham de Garcilasso de la Vega, e de Pero Gonzales de Mendoza, como claramente o affirma Amador de los Rios: "passo su infancia en casa Doña Mencia de Cisneros, su abuela, donde hubo de aficionar-se à la lectura de los poetas en los codices que poseyeron Garcilasso de de la Vega y Pero Gonzales de Mendoza..."[2] Garcilasso de la Vega, bisavó do Marquez, morrera em 1351, e esta data, e as suas relações de parentesco com a aristocracia portugueza explicam como a elle ou a Pedro Gonzales de Mendoza chegou o volume das cantigas. Portanto esse grande cancioneiro não existia em Hespanha antes poucos annos de 1351 e foi pouco antes de 1418 que o joven Marquez de Santillana o consultou. Pedro Gonzales de Mendoza era tambem poeta do côrte de Don Pedro e de Don Enrique


  1. Leges Wallice, p. 779, 861.
  2. Obras del Marquez de Santillana, p. XX.