O CHOQUE
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Procurei acalmar-lhe a furia, contando do desastre e da minha internação numa casa acolhedora. Mas o ether em vibração que era o senhor Sá fora evidentemente interferido por uma rabanada de saia das furias de Eschylo. Em vez de acceitar a minha escusa o homem redobrou de accusações.

— E por que me não preveniu ? Um empregado decente, logo que se vê numa situação dessas, a primeira cousa que faz é avisar aos patrões. Pensa então o senhor que isto aqui é brincadeira? Não sabe que somos uma firma séria e temos o direito de ser bem servidos? Está despachado. Não nos servem empregados da sua ordem.

Nesse momento um rumor muito meu conhecido denunciou a presença da outra parte da firma. Era o senhor Pato que chegava. Ao vel-o surgir á porta, dentro do seu formidavel fraque de elasticotine de cem mil reis o metro e todo reluzente de pendurucalhos de ouro massiço, confesso que tremi. Olhou-me o homem d'alto a baixo, fulminantemente, e sem dizer palavra foi para um canto confabular com o socio.

Não sei o que disseram. Só sei que ao cabo de dois minutos o senhor Sá voltou-se para mim e indagou :

— E o seu automovel ?

— Perdi-o... respondi com voz sumida.