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MONTEIRO LOBATO

— ...enrole uma pillula...

— ....mas nada exige de quem pretende dar vida a um novo ser humano, élo inicial, muitas vezes, de uma cadeia sem fim de desgraçados ou criminosos.

— Burrada! Burrada !... exclamei, deveras revoltado contra a estupidez vigente. E como não ser assim, si qualquer Sá ou qualquer Pato dirige a opinião ?

Depois que o impeto de revolta serenou, voltei a interpelal-a acerca de um ponto que andava a espicaçar-me a curiosidade.

— E o casamento, miss Jane ? Já falou diversas vezes em casamento e estou curioso de saber si essa palavra diz em 2228 o mesmo que hoje.

— Diz e não diz.Nos casamentos em que o fim era a procreação, o estado intervinha com olhos de lynce. Sendo o objectivo a prole sã de corpo e alma, comprehende o senhor Ayrton que todo o rigor era pouco para evitar desvios funestos ao futuro da raça. As creaturas autorizadas a procrear constituiam uma especie de nobreza. Todos as respeitavam como ás eleitas da especie, preciosas linhas directrizes do amanhã. O supersticioso acato que mereciam outróra os duques, marquezes e barões por mercês arbitrarias de thronos e solios pontificios, passou a caber aos paes pelo simples facto de serem paes. Ser pae valia por um diploma de superioridade mental, moral e physica, con-