O CHOQUE
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— Quer dizer, atrevi-me a murmurar, que si o doutor quizesse...

— Si eu quizesse, interrompeu-me o velho sabio, tornar-me-ia senhor do mundo, pois me vejo armado de uma potencia que até hoje os mysticos julgaram attributo exclusivo da divindade.

Dei novo recuo na cadeira, desta vez meio na duvida si falava a um homem sadio dos miolos ou a um maluco. O ar sempre sereno do professor Benson accommodou-me, porém.

— Mas não quero. A dominação sobre o mundo não me daria prazeres maiores que os de que goso. Não me faria ver mais azul e limpida aquella serra, nem respirar com mais prazer este ar puro, nem ouvir melhor musica que a do sabiá que todas as tardes canta numa das laranjeiras do pomar. Alem disso, estou velho, tenho os dias contados e nada do que é do mundo consegue interessar-me. Vivi demais, satisfiz demais a minha outróra insaciavel, mas hoje saciada curiosidade de sabio. Só aspiro morrer sém dôr e desfazer-me na vida do universo transfeito em atomos. Quem sabe si cada um desses atomos não levará comsigo a capacidade de goso que ha em mim, e si com esse desdobramento não multiplico ao infinito as minhas possibilidades ?...

Não comprehendi muito bem, lento que sou de espirito, a alta philosophia do professor; mas calei-me, cheio de admiração pelo homem

CH. 1