O CHOQUE
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reito uma gravura antiga e a consultar uma taboa de logarithmos, com o esquerdo. Ao mesmo tempo ouvia a musica da moda com o ouvido direito e, com o esquerdo, attendia a um collaborador do jornal. Occupava-se em quatro cousas diversas, valendo assim por quatro homens não desdobrados.

— H 4...

— E não ficava nisso. Era bem um homo elevado, não á quarta, mas á sexta potencia, porque ainda recolhia a queixa dum dos espiritos leitores do Herald — espirito rabugento, a avaliar por certos impetos nervosos da mão que stenographava.

— E com a outra mão, que fazia ?

— Alisava meigamente um gatinho que lhe resbunava ao regaço.

Encarei-a de novo, firme, nos olhos. Não piscou. Logo, era verdade. A experiencia dos olhos que piscam sempre me pareceu infallivel na pesca dos potoqueiros.

— Mas não foi coisa que se generalisasse. A ruptura por intervenção humana dos planos normaes da natureza nunca foi bem succedida. Sobrevinham sempre complicações imprevisiveis á argucia dos sabios, e irremediaveis. Esse pobre desdobrado, por exemplo, acabou logo depois de maneira tragica. Em vez de persistir na sua sexta potencia, empastelou-se, confundiu-se e acabou não sendo nem siquer um homem apenas, como antes da operação.