decorrido já três dias pelo menos durante aquela aflição. Calculou que não tardaria a amanhecer, se é que ainda amanheceria: se é que aquela noite infernal não se fosse prolongando infinitamente, sem nunca mais aparecer o sol! Bebeu um copo d’água, bem cheio, apesar de haver pouco antes tomado outro, e ficou imóvel, de ouvido atento, na expectativa de escutar as horas de algum relógio da vizinhança.
A chuva diminuíra e os ventos principiavam a soprar com desespero. Lá de fora a noite dizia-lhe segredos pelo buraco da fechadura e pelas frinchas do telhado e das portas; a cada assobio a mísera julgava ver surgir um espectro que vinha contar-lhe a morte de Jerônimo. O desejo impaciente de saber que horas eram punha-a doida: foi à janela, abriu-a; uma rajada úmida entrou na sala, esfuziando, e apagou a luz. Piedade soltou um grito e começou a procurar a caixa de fósforos, aos esbarrões, sem conseguir reconhecer os objetos que tateava. Esteve a perder os sentidos; afinal achou os fósforos, acendeu de novo o candeeiro e fechou a janela. Entrara-lhe um pouco de chuva em casa; sentiu a roupa molhada no corpo; tomou um novo copo d’água; um calafrio de febre percorreu-lhe a espinha, e ela atirou-se para a cama, batendo o queixo, e meteu-se debaixo dos lençóis, a tiritar de febre. Veio de novo a modorra, fechou os olhos; mas ergueu-se logo, assentando-se no colchão; parecia-lhe ter ouvido alguém falar lá fora, na rua; o calafrio voltou; ela, trêmula, procurava escutar. Se se não enganava, distinguira vozes abafadas, conversando, e as vozes eram de homem; deixou-