pois, Maria, por piedade, por amor daquela soberana e imaculada Virgem, que eu e tu veneramos desde a infância, e que guiou teus passos à ermida do deserto, dize-me, Maria, vieste aqui para me acusar ou para perdoar?...

Maria, adormecida há vinte anos naquele torpor de espírito que lhe paralisara todas as faculdades da inteligência, acordou subitamente ao som daquela voz, que outrora tinha ouvido entre pragas e sangue, e que agora maviosa e humilde implorava o perdão a seus pés. Surpreendida e atônita como quem despertava bruscamente de um profundo dormir, sua alma vacila alguns momentos como que procurando em vão reatar ao presente um remoto passado; mas enfim clareando-se-lhe subitamente as idéias como por uma inspiração do céu:

— Para perdoar-te, respondeu com voz calma e firme.

Os olhos do ermitão, até ali extintos e cravados no chão, encheram-se de luz e volveram-se para o céu.

— Eu vos dou infinitas graças, meu Deus, murmurou ele levantando-se dos pés de Maria, por me terdes concedido a inefável consolação de ouvir o meu perdão dos próprios lábios de minha vítima, e de vos terdes dignado baixar vossas vistas sobre este mísero pecador para torná-lo instrumento da vossa bondade e misericórdia.