CAPITULO IV
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prendendo-se da communhão de sentimentos». Suas faculdades intellectuaes não eram creadoras e contemplavam as idéas sem as systematizar. Escasso de imaginação, seguia antes as conveniencias do momento do que os ideaes permanentes, o que não quer no emtanto dizer que não regulasse sua maneira de proceder por ideaes geraes, muito mais do que por processos praticos, posto que fazendo grande caso dos detalhes. Como chefe do Estado obedecia a um mixto de sentimento e de vontade, e esta insufficiencia de pura energia dominadora era corrigida pela sua personalidade de vistas, realçada por uma instrucção variada. Diz o snr. Theodoro Sampaio — um bom juiz no assumpto[1] — que a cultura intellectual do Imperador estava muito acima do nivel ordinario da cultura dos seus contemporaneos e que em qualquer materia — geologia ou exegese historica ou linguistica sul-americana por exemplo — o sentiam seus interlocutores perfeitamente senhor do terreno. Promoveu bom numero de expedições scientificas, agitou questões interessantes para o Brazil, de ordem intellectual e não descurou por isso o manejo das redeas do poder.

Em 1864 passou-se no campo judiciario um episodio que ficou famoso. O Imperador obtivera do gabinete Olinda, antes da sua retirada, a aposentadoria de varios magistrados deshonestos ou reputados taes, accusados de prevaricação. O Presidente do Supremo Tribunal recusou obedecer ao governo, admittindo o seu acto, sob pretexto de que os decretos respectivos eram inconstitucionaes, a aposentadoria não podendo ser imposta e sim solicitada e provada a razão do pedido. Zacharias, o novo presidente do Conselho, que aliás sempre defendera no Parlamento os privilegios da magistratura, julgou-se comtudo obrigado a manter a resolução do seu predecessor e levou o Presidente do Supremo Tribunal, que não queria transigir, a demittir-se para deixar outro, mais docil, registrar os decretos de que o Imperador fazia absolutamente questão.

Por ser discreta não era a intervenção de D. Pedro II me-

  1. A cultura intellectual do Imperador, n'O Jornal de 2 de Dezembro de 1925.