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vossa vista inhumana,
A peçonha do tormento
Deixo á parte, porque dana
Tamanho contentamento.

Querendo Amor sustentar-se,
Fez huma vontade esquiva
D'huma estatua namorar-se:
Despois, por manifestar-se,
Converteo-a em mulher viva.
De quem m'irei eu queixando,
Ou quem direi que m'engana
Se vou seguindo e buscando
Huma imagem, que d'humana
Em pedra se vai tornando?

D'huma fonte se sabía,
Da qual certo se provava
Que quem sôbre ella jurava,
Se falsidade dizia,
Dos olhos logo cegava.
Vós, que minha liberdade,
Senhora, tyrannizais,
Injustamente mandais,
Quando vos fallo verdade,
Que vos não possa ver mais.

Da palma s'escreve e canta
Ser tão dura e tão forçosa,
Que pêzo não a quebranta,
Mas antes, de presunçosa,
Com elle mais se levanta.
Co'o pêzo do mal que dais,
A constancia qu'em mi vejo, {25}