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Que se póde alcançar d’essa belleza,
Se ja piedade della não s’alcança?
Aos tigres, aos leões deixa a braveza,
E deixa aos meus soldados a vingança.
Se por ver-me cruel queres ser crua,
Ja te vingas de mi em cousa tua.

Volve esses olhos ja com mais brandura;
Esses olhos, d’Amor doce morada:
Delles não faça em mi a formosura,
O qu’em tantos ja fez a minha espada.
Se queres derribar minha ventura,
Que delles estar vejo pendurada,
Acabarei de ver quão pouca tenho,
Pois donde a matar vim a morrer venho.

Como do rôgo meu não te aproveitas,
Quando o teu risco a me rogar te obriga?
Ou não conheces bem a quem engeitas,
Ou m’engeitas por mais que seja e diga.
Em que cuidas, Senhora? ou que suspeitas?
Mais proprio era chamar-te dura imiga.
Mas não consente Amor nome tão duro
Em parecer tão brando e tão seguro.

Os raios desses olhos ja serenos
Enxuguem desse rosto as puras rosas;
O triste suspirar ja sôe menos
Nestas concavidades saudosas.
Não fação grande mal males pequenos;
Que não soffre esperanças vagarosas
Quem anda costumado em seus amores
A medir por seu gôsto seus favores.

Que gôsto podes ter de maltratar-me,