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A quem me adora por deos,
Sirvo eu como a senhora?
Oh quão estranha affeição!
Quem em baixa cousa vai pôr
A vontade e o coração,
Sabe tão pouco d’Amor,
Quão pouco Amor de razão.
Mas que remedio hei de ter
Contra mulher tão terribil,
Que se não póde vencer?

MERCURIO.

Alto Senhor, teu poder
O difficil faz possibil.

JUPITER.

Tu não vês qu’esta mulher
Se preza de virtuosa?

MERCURIO.

Senhor, tudo póde ser;
Que para quem muito quer,
Sempre a affeição he manhosa.
Seu marido está ausente
Na guerra, longe daqui;
Tu, qu’es Jupiter potente,
Tomarás sua fórma em ti;
Que o farás mui facilmente.
E eu me transformarei
Na de Sósea, criado seu;
E ao arraial me irei,
Onde logo saberei
Como se a batalha deu.
E assi poderás entrar,