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Pois tão tarde me quereis,
Qu’inda me não conheceis.

Offereceis-me alegria,
Tendo-me ja cego e mouco:
He baixeza acceitar pouco,
Quem tanto vos merecia.
Ide-vos por outra via,
Pois o bem que me deveis,
Nunca mo satisfareis.


ALHEIO.

Perdigão perdeo a penna,
Não ha mal que lhe não venha.

Voltas.

Perdigão, que o pensamento
Subio a hum alto lugar,
Perde a penna do voar,
Ganha a pena do tormento:
Não tẽe no ar, nem no vento,
Azas com que se sostenha:
Não ha mal que lhe não venha.

Quiz voar a huma alta torre,
Mas achou-se desasado;
E vendo-se despennado,
De puro penado morre.
Se a queixumes se soccorre,
Lança no fogo mais lenha:
Não ha mal que lhe não venha.