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SONETOS.
L.

Amor, com a esperança ja perdida
Teu soberano templo visitei:
Por signal do naufragio que passei,
Em lugar dos vestidos, puz a vida.

Que mais queres de mi, pois destruida
Me tẽes a gloria toda que alcancei?
Não cuides de render-me; que não sei
Tornar a entrar-me onde não ha sahida.

Vês aqui a vida, e a alma, e a esperança,
Doces despojos de meu bem passado,
Em quanto o quiz aquella que eu adoro.

Nellas podes tomar de mi vingança:
E se te queres inda mais vingado,
Contenta-te co'as lagrimas que chóro.



LI.

Apollo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lyra, me influião
Na suave harmonia que fazião,
Quando tomei a penna, começando:

Ditoso seja o dia e hora, quando
Tão delicados olhos me ferião!
Ditosos os sentidos que sentião
Estar-se em seu desejo traspassando!

Assi cantava, quando Amor virou
A roda á esperança, que corria
Tão ligeira, que quasi era invisibil.

Converteo-se-me em noite o claro dia;
E se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal, se for possibil.